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Solar Gomes Leitão

MUSEU DE ANTROPOLOGIA DO VALE DO PARAÍBA

“Dizemos: afinal, somos aquilo que pensamos, amamos, realizamos. E eu acrescentaria: somos aquilo que lembramos. Além dos afetos que alimentamos, a nossa riqueza são os pensamentos que pensamos, as ações que cumprimos, as lembranças que conservamos e não deixamos apagar e das quais somos o único guardião”. (Noberto Bobbio.).

  • SOLAR GOMES LEITÃO

Processo de Tombamento CONDEPHAAT.

Rua XV de Novembro, 143.

Processo: 20546/78 Tom.: Res. De 6/12/78 D.O. 7/12/78

Livro do Tombo Histórico: Inscrição nº 127, p. 23, 13/7/1979.

“Em meados do século XVII iniciou-se o povoamento de Jacareí, na região do Vale do Paraíba que era utilizada como passagem para a penetração bandeirista. No século XIX, seu desenvolvimento foi impulsionado pela economia cafeeira”.

O alferes João da Costa Gomes Leitão, participante ativo da vida política local e um dos maiores traficantes de escravos da província mandou construir, em 1857, o edifício conhecido por Solar Gomes Leitão, em que se misturam as tradições coloniais e elementos do neoclássico, em taipa de pilão e pau-a-pique. Com planta retangular e implantada em lote de esquina, o Solar possui, no interior, paredes e forros com pintura decorativas e artísticas.

De 1895 até fins da década de 1970, o edifício sediou o Grupo Escolar Coronel Carlos Porto e, atualmente, nele encontra-se instalado o Museu de Antropologia do Vale do Paraíba”. (Pereira, 1979).

1.2 AS ORIGENS DO MUSEU DE ANTROPOLOGIA DO VALE DO PARAÍBA

Em 1976, assustados com a perda do Prédio do Colégio Antônio Afonso, Osmar de Almeida, a professora Maria Lucia Sant’Ana, Ayrton Vinicius Naves Silva e um grupo de amigos, cidadãos jacareienses, conversaram sobre a necessidade e o sonho de se criar em Jacareí um Museu. ( ALMEIDA, 2008).

Esse ideal se concretizou com a criação do Museu de Antropologia do Vale do Paraíba, instalado no interior do Casarão “Solar Gomes Leitão”, tinha no seu projeto de criação, uma ambição de ser absolutamente grandioso, inovador, científico, autônomo e competente em sua função museológica; de fomentar na cidade um ambiente de discussão cultural acerca das origens do homem do Vale do Paraíba. (ALMEIDA, SILVA, 2008).

Fig. 38 Solar Gomes Leitão – 1944 Instalação da escola: Grupo Escolar Coronel Carlos Porto

Fonte: Foto Cambusano (Acervo Luiz José Navarro da Cruz)

Para a análise da preservação do Patrimônio no âmbito do citado Museu, tivemos que dar início ao processo de elaboração histórica do mesmo, pois para entendermos a sua preservação, a política cultural que o conduz e a cultura política que o permeia, faz-se necessário buscar em sua historicidade ainda inédita os fatores determinantes que criaram o seu contexto atual. Através de documentos notariais, reportagens de época e entrevistas com os sujeitos históricos participantes do projeto inicial de criação do Museu,  apresentarei o citado objeto de estudo inserido na temática proposta.

Em meio à conjuntura política repressiva do momento histórico que viviam,  os criadores do Museu de Antropologia do Vale do Paraíba almejaram dar início a ilustração da cidadania jacareiense através  da busca de conhecimento sobre o homem do Vale do Paraíba e suas origens, visando fortalecer sua identidade cultural de cidadão e inserindo-o na ação de sujeito da história e seu potencial transformador através de um patrimônio sócio cultural que é a constituição de um museu.

Osmar de Almeida fala sobre a criação do Museu de Antropologia do Vale do Paraíba:

“…acho que o importante a falar sobre a história do museu, acho que o fio condutor de toda história do museu é a participação popular. Na verdade tudo começou foi em 1976,…quando havia uma efervescência cultural em Jacareí. Fins de semana, teatro, concerto de jazz uma série de atividades que as pessoas participavam, então sempre depois dos espetáculos,ou até mesmo antes do cinema, é importante lembrar isso…no cine Rosário tinha o chamado cinemão toda sexta feira e era o cinema d e arte em que a gente assistia os filmes que passavam no cine Belas artes em São Paulo; então tínhamos muitas discussões. Nós tínhamos um grupo de pessoas que discutiam a questão da cultura na cidade. Antes do cinema, antes da meia noite, nas sextas feiras …então havia uma efervescência cultural. E foi nesse clima que a gente começou a discutir uma coisa muito séria. A prefeitura na época havia derrubado o casarão em frente ao Museu, que era a Escola Antonio Afonso e o mesmo destino ameaçava a Escola Carlos Porto,.. Inclusive comentava-se na cidade que aquele prédio era velho e que ia ser derrubado como o outro.  Então começamos a discutir a possibilidade de salvar aquele prédio….a canção do Milton Nascimento que falou: nada de novo que não se discuta na mesa de um bar. Lembra daquela canção?…as discussões surgiram em volta da mesa de um bar chamado Xodó, que havia na esquina do Rosário, ali em frente da loja  Riachuelo….Então ali começamos a discutir sobre o que fazer com o nosso patrimônio cultural. Daí que surgiu a idéia de se fazer um museu no lugar para salvar o prédio.

Ninguém tinha uma idéia de como seria um museu. Mas aí estive em São Paulo no Museu de Arqueologia da USP, e vendo aquelas exposições de arqueologia, eu pensei se nós poderíamos ter em Jacareí um Museu que contasse a história pensando muito na questão arqueológica da região. …Quando nós fizemos nossa primeira reunião, que definitivamente o grupo se decidiu a lutar pelo museu. Foi no dia 26 de fevereiro de 1977, às 6 horas da tarde, sábado, na casa da Maria Lucia Sant’Ana.

É importante colocar o contexto histórico da questão também, quem havia assumido a prefeitura em janeiro foi o professor Benedicto Sergio Lencioni, que havia sido nosso professor literalmente. Então, nós o convidamos. Uma das pessoas que fazia parte do grupo era a professora Maria Lúcia Sant’Ana, ela era bastante amiga do professor e o convidou para participar dessa reunião, que nós fizemos informalmente na casa dela….Posso citar algumas pessoas que participaram:…Hebe Esper, Silvia Esteves Mintelovsky, Stanislau da Silva Salles, Odair de D. Pinto, (Ayrton começou a participar em novembro de 1977).  Agente não sabia bem como fazer…o Stan sugeriu que nós procurássemos em São Paulo a museóloga Waldisa Russio Camargo Guarnieri que era a maior autoridade da época em assunto de museologia do país. E nesse primeiro dia já se discutia com as duas advogadas que participavam a Maria Honória e Alcebildes Lague, que nós fizéssemos essa fundação.

…A Doutora Waldisa era coordenadora do curso de museologia e Pós-Graduação da Escola de Sociologia e Política de São Paulo e membro do Comitê Internacional de Museus da Unesco em Paris do ICOM. Conversando com a Waldisa ela me disse: …Bom, o quê vocês querem é fazer um Museu de Antropologia do Vale do Paraíba.  Ela começou a dar diretrizes do que seria esse museu. Ela sugeriu que nós deveríamos criar um SETOR DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO, o SEPEDOC, para que desse origem a esse museu. Isso foi muito importante porque o SEPEDOC foi a origem desse museu. Waldisa estava implantando na época o Museu da Indústria de São Paulo e ela se encantou com a história industrial… de Jacareí e do Vale do Paraíba. No dia 25 de agosto de 77 fizemos uma reunião… e  apresentamos o projeto ao Diretor de Cultura na época que era o irmão do prefeito, o Frederico Lencioni,…ele se entusiasmou demais, achou interessante a idéia. E foi nesse mesmo ano de 77 que nós apresentamos a proposta ao prefeito… esse grupo se reunia toda semana no Salão Nobre da Prefeitura para discutir como seria o Museu de Antropologia do Vale do Paraíba… e a Waldisa orientando o projeto,… e é importante salientar isso , o Benedicto Sérgio Lencioni deu todo apoio ao projeto e liberdade para que o grupo discutisse o que deveria fazer. Foi até interessante que ele convidou mais três pessoas: Osiris Médici, Luís José Navarro da Cruz que tem um trabalho de preservação de fotografias…Romeu Cime Junior de Taubaté. Eu convidei o arquiteto José Roberto Naves Silva e o irmão dele o Ayrton Vinícius Naves Silva.

Eu comecei a trabalhar em 78 no SEPEDOC, e o meu trabalho foi essencialmente… Organizar o quê seria a Fundação Cultural, uma interação com os advogados da prefeitura de como seria isso: Fundação Cultural de Direito Privado, Direito Público, ninguém sabia como funcionava isso direito. Nessa mesma época eles estavam fazendo terraplanagem do terreno do Santa Marina, então foram encontrados os sítios arqueológicos, eu recebi as primeiras peças no SEPEDOC. Começou a crescer tanto que a Waldisa sugeriu que alguém fizesse o curso de museologia e o grupo designou a Maria Lúcia Sant’Ana para fazer o curso. Eu continuei no SEPEDOC e a Waldisa orientando. Por exemplo: ela disse: o Museu tem que ter um departamento de arqueologia… Então era um dos objetivos do museu a pesquisa… Que deveria trabalhar com a questão da antropologia cultural. Não seria um museu saudosista. Nós consultávamos na época o professor Bezerra de Menezes, arqueólogo da USP, o professor Rui Gama que escreveu a história da Ciência no Brasil para que a gente pudesse ter mais orientações de como contar a questão antropologia e arqueológica. … o nosso seria um museu de busca contando a história.é… como disse o historiador Orlando da Silva Bruno: da pior sociedade! Quer dizer, desde o simples homem que vivia no campo até o poderoso, não teria que contar a história só de um tipo de gente… Então essa linha guiava a criação do museu e houve embates. … Um jornal comentou que o grupo do museu estava querendo implantar um museu…  Que nós éramos comunistas,… Da esquerda… Querendo implantar um museu da pior sociedade. E que o prefeito deveria agir. Mas o Lencioni deu total apoio ao projeto.”(ALMEIDA, 2008)

Ayrton Vinícius Naves  Silva fala sobre a criação do Museu de Antropologia do Vale do Paraíba:

“A idéia do museu, surgiu dentro de um processo de desenvolvimento que a gente começou a trabalhar aqui à partir de 78. Eu e o Osmar de Almeida começamos a desenvolver um trabalho que desembocou na  1ª semana ecológica do Vale do Paraíba. Naquela época o termo ecologia…a gente tinha que explicar como era. Meu irmão era secretário do planejamento do governo do BSL, o Túlio César Naves e Silva, e tínhamos um contato com a administração e promovemos a  Semana Ecológica e foi um sucesso. …Trouxemos em pauta o Rio Paraíba.Eu tinha estudado cinema na USP e a minha área de interesse  era o cinema documental. Então a minha linha de interesse era a cinematográfica antropológica. Conversando com o Osmar nasceu a idéia de criar um museu”. (SILVA, 2008).

Esse grupo sabia dos crimes cometidos pelos representantes da ditadura militar e que qualquer movimento individual e social seria punido com tortura e morte. A posição política desses cidadãos idealizadores do museu era considerada subversiva, pois eles agiam como cidadãos com um projeto amplo; que almejavam a abertura política e o retorno às condutas civis de respeito pela vida humana e a busca da reconstituição e recomposição dos princípios da cidadania que as oposições políticas repressivas haviam sempre aniquilado no processo de formação da cultura brasileira. Atualmente, o modo populista e instrumentalizado que se põe em pauta a palavra cidadania não pode exprimir o quê significou na década de 70 esse posicionamento.

Não era pouco querer colocar em pauta os direitos do cidadão de reconhecer suas próprias origens e os processos de formação dessa sociedade tão conturbada em relação aos direitos humanos e deveres do cidadão, e construir um museu que tivesse uma função científica de redimensionar as relações que envolveram o homem do Vale do Paraíba e sua trajetória histórica era um insulto à hierarquia do poder instituído.

Faz-se necessário atentarmos para esse processo que intrinsecamente refletia a ânsia popular de liberdade e retomada de consciência de suas origens e direitos. Como teve origem e se desenvolveu frente à ideologia imposta pelo Estado repressor da década de 70; impulsionando a ação ambiciosa de Osmar de Almeida, Prof. Maria Lucia Sant’Ana , Ayrton Vinicius Naves e Silva  e o grupo que se formou, para contrariar a ordem ideológica imposta. A Professora, museóloga Maria Lucia Sant’Ana narra sua participação:

“Eu fiz mestrado na área de museologia e a monografia foi o Museu de Antropologia do Vale do Paraíba, dentro do contexto na época da mudança de eixo cultural que era do meio do Vale, para o início do médio Vale, que era Jacareí. Então, nós mudamos. Era Guaratinguetá, Taubaté e pós-museu ele voltou-se para o início do médio Vale que era Jacareí, a primeira cidade do médio Vale do Rio Paraíba, então a coisa mudou um pouquinho de figura naquela época porque foi o interesse total das pessoas ditas intelectuais do Vale, em virtude de um trabalho novo, uma temática nova, uma visão de um processo cultural, de uma política totalmente diferenciada do que era aquilo que era o cotidiano tradicional. E o museu está inserido dentro desse contexto, então a minha tese está em cima disso, mas na realidade ela foi calcada em cima da prática, né? Eu sempre brinquei que museologia é uma ciência prática, não existe isso, mas eu falava exatamente porque ela necessitava de um projeto hábil no mostrar. A habilidade da museologia é mostrar as coisas corretas, dentro do lugar correto, no momento correto; então, a peça fala por si, a obra fala por si, o vestuário fala por si; o que seria a peça em si, não precisa você ter ninguém, ela sozinha está contando toda sua história. Essa é a beleza da museologia quando ela é aplicada corretamente, ela não fica solta no tempo e no espaço, ela tem um objetivo próprio e alcança esse objetivo quando ela é manipulada adequadamente, buscando evidentemente um trabalho de equipe porque a museologia, ela não existe sozinha, ela existe junto com todo o processo científico, da química, da física, da arquitetura, da música, da dança e nós podemos montar todo um esquema em cima disso “. (SANT’ANA, 2008)

É importante ressaltar que o museu passou por várias fases desde a sua idealização. Essas fases foram muito distintas quanto às atividades que foram propostas em plano inicial de funcionamento do museu. E nesse processo pautado na inter-relação de ensejos sócio-culturais da comunidade e poder público instituído, durante 13 anos, da fase inicial até a inauguração oficial do MAV, fez-se presente o psicólogo e museólogo Adelmir Morato de Lima:

“Olha Cesira, primeiro é um pouco difícil e um pouco complicado relembrar tudo isso, agente conversou bastante sobre isso, não deixei claro, mas conversamos muito sobre isso; mas é assunto que eu tenho de entender de maneira geral. Eu acho que você está criando uma possibilidade muito interessante de eu dar uma forma a tudo isso. Acho que é uma história bonita, não é uma história só minha, é de um grupo de pessoas e uma história muito bonita, história muito cheia de contradições, mas acho que, sobretudo é uma história muito cheia de violência né? Acho que relembrar tudo isso, um pouco minha dificuldade é de ainda relembrar de coisas, de atos de violência muito grande que foi cometido nesse processo todo que é uma coisa que deixou muita mágoa. Mas, acho que é necessário entender e acho que é importante dar uma perspectiva política a tudo isso, talvez a grande contribuição que você traz; porque eu já nem queria falar sobre esse assunto, é agente dar um sentido político porque não deixa de ser uma história pessoal de mágoa e uma história política, talvez seja essa a grande contribuição que você vem trazer.

Eu entrei meio por acaso nessa história da defesa do patrimônio cultural. Isso começou acho que mais ou menos no final da década de 70, eu entrei mais por acaso; havia um grupo de jovens de Jacareí que estavam pensando a possibilidade de criar um museu, mas um museu mais moderno com visão política dentro de uma visão ideológica de esquerda né? E a partir desse grupo acabei entrando, no final da década, acho que mais ou menos 79, eu entrei participando de um programa que eles chamaram de museu de rua, era uma experiência muito nova, muito interessante onde se faziam painéis contando a história do município e esses painéis fotográficos eram colocados na rua então já se contém um primeiro paradigma aonde as pessoas iam lá como se fosse uma igreja, um tempo onde as pessoas iam reverenciar uma história. Já produzidas pelos vencedores e a idéia nossa era exatamente o oposto, era pensar numa historicidade contada a partir dos vencidos e levar essa história para rua, e foi aí que eu entrei meio cambaleando, meio sem saber onde estava entrando; fazendo entrevistas, talvez um pouco parecido com o quê você está fazendo agora quer dizer, não com a esperança e conhecimento que você tem, porque a gente não tinha essa formação teórica, por exemplo, que você tem.

Então agente fazia as histórias, era a memória oral, basicamente que agente tinha o nosso objeto de pesquisa, e agente ia fazendo levantamento de histórias, ia produzindo esses conhecimentos e isso ia se transformando em textos bem sintéticos, bem escritos e tal e depois esse museu foi para rua, então as pessoas podiam comparar alguns edifícios antigos que tinham sido marcos importantes da cidade, que já tinham sido destruídos, então você mostrava a fotografia de hoje e contava aquela história, e foi uma coisa muito interessante, foi emocionante. As pessoas verem aquilo e descobrirem que a cidade teve um passado muito rico, muito interessante e a partir disso surgiu um grande movimento. A idéia era criar o museu de antropologia, quer dizer, essa discussão, essa questão de que tipo, a característica que teria esse museu, já foi uma discussão ferrenha, porque se queria na verdade era continuar com o padrão de museus que era determinado pela Secretaria de Estado de Cultura, eles tinham um departamento lá chamado…acho que era Divisão de Museus, onde eles incentivavam os municípios a criar o que eles chamavam de museu histórico pedagógico. Então, em todas as cidades, mais antigas tinha um museu histórico pedagógico e botava o nome de um figurão da cidade, aí contava essa história oficial, tinha a galeria dos prefeitos, as galerias das autoridades e agente tinha uma aversão muito grande a esse tipo de coisa, então vamos pensar no Museu de Antropologia, se agente conseguir ter outros elementos nessa interpretação.

A história não é única, tem o outro lado dos vencedores, então nessa polêmica toda acabou prevalecendo a idéia de se pensar no MAVP. Quer dizer, esse grupo, ele já tinha começado o trabalho então não fui eu que comecei, esse grupo já tinha pensado.

Eu acho que o idealizador desse projeto foi o Osmar. Foi ele que pensou em tudo isso e eu entrei já no segundo momento imediatamente após se pensar nesse projeto; o Osmar saiu, já por divergências políticas. E eu continuei, quer dizer eu continuei, mas continuei um projeto que ele já tinha pensado, quer dizer, o meu papel foi… com o tempo eu fui me encantando com esse projeto, com a idéia do Osmar.

Eu achei que o projeto era muito bonito. Eu acho que uma das características do Osmar é ter essa capacidade de enxergar 50 anos na frente. Ele sempre foi assim. Eu fui me encantando com esse projeto. O Osmar teve problemas políticos e se afastou e eu fui o fio condutor. Talvez por isso eu tenha ficado mais exposto politicamente né? Então muita gente começou esse projeto e depois parou. Cada um foi cuidar da sua vida e eu fiquei ligado a ele.

P – A maior parte das pessoas que estava envolvida nesse projeto estava ligada a esfera da administração ou existia trabalho voluntário?

R – Trabalho voluntário. A maioria das pessoas era voluntária. Pessoas que não tinham vínculo nenhum com prefeitura, não eram empregados não eram concursados. Era trabalho voluntário. Era até porque Jacareí não tinha, nem existia concurso publico naquela época. Pessoas da comunidade que se sensibilizavam com esse projeto e entravam de corpo e alma. Pessoas que se dedicavam, faziam pesquisas, faziam reuniões mais ou menos toda semana à noite, se entusiasmaram. Quer dizer foi um projeto, como diz bem o Osmar, quer dizer é um projeto que nasceu da comunidade, e o prefeito da época Benedito Sergio Lencioni, ele tinha identidade com esse grupo se identificava com esse grupo, então ele acabou trazendo essa idéia para… vamos dizer assim ele institucionalizou esse projeto aí ele se torna um projeto oficial.

P: Esse grupo tinha denominação específica?

Não, não tinha. Eram pessoas da comunidade que na verdade, tinham algumas afinidades, eu acho que essas afinidades eram muito mais ideológicas, havia uma afinidade ideológica e acho que no final da década de 70, não tinha muito espaço de participação, as pessoas não tinham muito que… Agente estava vivendo uma fase de acho que de abertura política, mas ainda na cidade do interior essas coisas não eram muito claras ainda e essas pessoas viam na possibilidade de um projeto cultural de reascender essa esperança, era a esperança da abertura política então, havia um clima, um desejo muito grande de que as coisas pudessem ser diferentes, que agente pudesse romper com os paradigmas antigos, esse clima de abertura de liberdade eu acho que aí agente entra com a história do patrimônio, entra exatamente nesse momento.

P – E você se lembra de alguns nomes além do Osmar, alguns nomes da época que trabalhavam próximas a você e ao Osmar?

R: Tinha muita gente assim que vinha, saía, vinha, ficava um tempo, mas acho que a Maria Lúcia Sant’Ana, é uma pessoa importantíssima nesse processo; o Osmar de Almeida, o Benedito Sergio Lencioni, que era o prefeito, haviam outras pessoas, a Alicia Nodherman, pesquisadora do INPE, e pessoas que sempre davam suporte. Havia uma pessoa que sempre dava suporte, havia uma pessoa que foi uma maestra nossa nesse processo todo, chamada Waldisa Russio Camargo Guarnieri, era uma museóloga ligada a Secretaria da Indústria em São Paulo e o projeto dela era o Museu da Indústria. Então ela tinha uma concepção. Era uma pessoa de um intelectual, muito bem articulada, quer dizer ela era uma referência para agente, e ela trazia essa coisa viva de romper os paradigmas, num clima de romper as estruturas políticas, abertura política, uma nova proposta museológica, a história dos resíduos, então ela foi um suporte teórico muito importante para agente. Ela foi um parâmetro durante todo esse processo, uma pessoa extremamente importante.

P – E é nesse momento que você começou a trabalhar na administração publica?

R – Bom, o Osmar tem alguns problemas políticos lá com o irmão do prefeito, ele saiu e o Osmar me convidou para dar continuidade ao trabalho dele. Aí o Osmar sai, acho que eu devo ter entrando em 1981, quando o Osmar saiu, já era funcionário da prefeitura, quer dizer não começou como funcionário; e eu fui incorporado a esse quadro, aí ele saiu e eu entrei, aí foi uma história longa, eu fiquei acho que uns 13 anos.

P – Então você entrou já trabalhando nessa área?

R – Exatamente trabalhando dentro do museu. Porque o projeto inicial, qual era? Foi feito o museu de rua, se levantou uma série de coisas importantes e agente começou a pensar a questão do patrimônio, era muito mais amplo do que inicialmente agente imaginava, quer dizer não era só um museu de rua, recolher fotografias e entrevistar as pessoas. A partir disso começou a surgir uma série de outras indagações também e aí tinha o próprio prédio do museu que é por si só um objeto museológico importante, um edifício neoclássico de 1857 e havia o projeto de restauração desse prédio. E o projeto de restauração também já era uma área muito abrangente. Quer dizer, essa restauração tem que rever todas as intervenções, todas as épocas, quem morou, a própria história do prédio é a história do Vale do Paraíba também? Não é? E aí começaram a surgirem muitas outras oportunidades, quer dizer patrimônio cultural não é só preservar um prédio é ver a questão da arqueologia, a questão da cultura popular, a questão da construção do acervo, que tipo de acervo, ele é significativo, que tipo de acervo não é significativo, e tudo isso é uma escolha política, não é? Então Cesira, isso foi para a gente… Isso era um processo, (12:07) o Osmar estava lá fora, mas ele estava mais dentro do que fora; ele acompanhava tudo, tudo. Ele nunca deixou de fazer parte daquilo nunca, nunca. Ele nunca tirou o pé lá de dentro e nem a cabeça.  Então para agente era um processo angustiante, porque agente estava numa época de abertura política e agente contestava tudo que era historia oficial, mas era para agente uma relação muito ambígua, quer dizer, como é que você estava dentro de um poder, um prefeito que tinha sido eleito, da ARENA; e agente propondo uma coisa nova, era uma coisa muito angustiante para agente quer dizer como é que agente conserva um prédio de um coronel da época do café, que foi escravocrata, se nos éramos da esquerda? Então era uma coisa de juventude mesmo, de dizer, olhar de separar coisas que às vezes não se separavam e agente queria fazer um corte que isso aqui era de direita isso aqui era de esquerda, e agente já viu lá na frente que as coisas estavam mais misturadas do que agente imaginava; que essa divisão era muito mais complexa e muito mais difícil. Então acho que a restauração do prédio… Foi a primeira grande tarefa.

P – E todo esse processo foi administrado por você?

R – Não. Aí tinha a Maria Lucia Sant’Ana que era a museóloga, que era a pessoa responsável, tecnicamente era responsável, ela fazia o curso de museologia das primeiras turmas que estavam se formando no Instituto de Museologia de São Paulo e agente dava todo o suporte da formação dela; agente fazia os trabalhos agente ajudava ela, mas aí…

P – Aí nesse período a sua formação era? (13:60)

R – Não. Eu não tinha. Eu vim adquirir essa formação técnica depois, porque só havia o curso de museologia. E, na verdade eu só recebi o título muito tempo depois, quando a profissão de museólogo foi reconhecida no Brasil, quem já vinha um tempo atuando na área a comprovado, recebia o título de museólogo. Eu comprovei tudo, a minha passagem e tudo mais, na verdade eu nem requeri o diploma eu achei que não havia… Eu já estava afastado e tal, mas….

P – Então nesse período, como formação acadêmica você era?

R – Eu estava estudando ainda psicologia depois é que eu fui fazer o curso de patrimônio cultural na USP, um curso de patrimônio cultural, curso de especialização de patrimônio cultural que foram os primeiros cursos, depois eu fiz administração de cultura na Fundação Getulio Vargas que também foi a primeira turma.

Quer dizer, com o tempo é que foram surgindo essas coisas porque nem havia academia para isso; a preocupação com o patrimônio cultural ele não tinha essa preocupação acadêmica era muito raro né, depois é que começaram a surgir esses cursos, foi então um processo e no meio do caminho foi se embasando teoricamente.

P – Então o Museu de Antropologia do Vale do Paraíba se formou enquanto uma necessidade abrangente de… vamos  dizer, de um espaço cultural, de criação de uma mentalidade…

R – Criação de uma mentalidade. Não era só o projeto do museu; e é interessante pensar isso hoje, não foi só no museu. Acho que talvez essa seja a grande percepção do que eu estou começando a ter hoje quer dizer, aqui era um espaço físico onde um grupo de jovens que sonham com abertura política, que desejam se expressar desejam criar coisas novas, desejavam ter uma atuação social e encontraram naquele espaço, uma possibilidade de realização do sonho, então não era só o museu tanto que se agregam a esse discurso a questão da ecologia, muito da questão dos partidos de esquerda do município que havia uma identificação muito grande com o próprio PT, que tinha uma identificação muito grande com esse projeto e acho que aquele espaço era reconhecido como espaço de atuação de esquerda, de história reconhecida. (16:17) Agora o que era mais interessante de tudo é que era um prefeito da ARENA, né? Era um prefeito da ditadura militar. E é interessante agente observar hoje é que ele tinha uma tolerância muito grande com relação a esse grupo. Ele tinha uma tolerância grande, o que a gente vê depois lá na ponta quando essa abertura política se consolida e tudo mais, que as pessoas que eram da esquerda na época que se posicionavam de maneira ferrenha contra tudo que era da direita e tudo mais, elas passam a ser extremamente intolerantes e a rejeitar com muita violência esse grupo. É uma coisa muito estranha.

P – Praticamente deu origem à essa discussão que…

R – Que deu origem, que impulsionou a discussão no partido, que canalizava os anseios da sociedade, que sonhava com espaços públicos como possibilidade de implementação e projetos sociais, de interesse popular, etc, etc, etc; depois eles se identificam com isso, crescem com isso e quando assumem o poder, negam a existência de tudo isso, até porque parece que os interesses eram outros né, a gente vai perceber isso depois. (17:30)

Mas, acho que a sua pergunta para mim é a chave de tudo isso. É a chave; então não é a história do museu, é a história talvez de uma mentalidade. História de um grupo de jovens que dentro de um cenário político;… é importante a gente entender que cenário é esse que aconteceu no final da década de 70, início dos anos 80 abertura política, sonho de liberdade, desejo de participação social, articulação do discurso que se dava muito em torno da participação popular e aquele projeto, aquela idéia do museu era o que estava, era o que possibilitava essa expressão, e tudo  que era pensado nessa questão do museu era pensado do ponto de vista ideológico. (18:07) Se você constitui um acervo e coloca dentro de uma casa, cada objeto que tem ali é da história de um vencedor e de um vencido, então a gente tinha um critério, aliás, acho até que era excessivo, porque hoje  penso algumas coisas de maneira diferente, mas agente tinha um pavor na possibilidade de pensar que esses objetos fossem testemunhas da história dos vencedores . É claro que nisso é muito mais complexo lá na frente agente vai ver que não é tão fácil. A história é mais complexa do que isso.

P – Depois foi um outro prefeito Osvaldo da Silva Arouca, que conseguiu concretizar o projeto de restauro?

R – É, mas só que antes de Arouca, teve um, se você pegar aquele artigo da revista de museologia, aliás, aquela foi a 1° revista de museológica do Brasil. E eles tinham um respeito tão grande pelo que se pensava em Jacareí, era um laboratório, era uma experiência com relação à área de patrimônio cultural, que a Waldisa que era uma pessoa intelectual da área das academias, ela via naquilo uma experiência fantástica. Ela achava que dali surgiriam novos parâmetros para pensarmos a sociedade. Aí você começa com Arouca.

P – E você me disse que antes disso, antes do término do restauro existiu uma ação da Waldisia, da museóloga.

R – Aquele artigo que está escrito na revista de museologia, aliás, só falando um pouco dessa revista ela foi a 1° revista de museologia feita no Brasil e eles dedicaram e pediram para eu escrever um artigo grande sobre a história do museu e por quê? Porque a Waldisa, ela achava que o quê se fazia em Jacareí era um laboratório muito interessante; que aqui se pensava a questão da museologia de maneira muito original, peculiar. Ela achava que a gente rompia com esse paradigma de museuzinho histórico tradicional, e tudo mais. Então acho que foi uma grande homenagem que ela fez para agente, quer dizer, no Brasil inteiro você escolher uma cidade do interior e contar essa história, então ali é um pedaço daquela história e o que se segue depois. Esse prefeito o Bene, ele sai e entra um outro prefeito que era mais identificado com as idéias de esquerda, mas que também não traz muita contribuição para esse processo. Quer dizer eles não conseguiam pensar essa idéia de patrimônio cultural como política pública, então as coisas ficavam muito em idéias muito etéreas muito: “Precisamos preservar isso, é muito bonito; isso é importante”; mas não destinava recurso público: X% do orçamento vai para a restauração do prédio, vai para a preservação do patrimônio histórico; vai para mancha urbana, aquela área central da cidade onde estavam os edifícios antigos, e isso não se transformava em recurso financeiro, então não havia uma política pública, e isso foi uma coisa terrível porque agente continuava sonhando, continuava pensando, fazendo projeto, mas não tinha recurso financeiro.(21:50)

P – Você tinha um grupo de pessoas consistente nesse período que te acompanhava em decisões, ou programações?

R: Não Cesira. Oficialmente tinha eu como funcionário, tinha mais dois funcionários auxiliares, mas de quem eu tinha apoio era só das pessoas de fora. O museu continuava uma pessoa só oficialmente de dentro um grupo de pessoas que continuava ajudando, contribuindo, torcendo, levando informações, chegaram a criar a Sociedades Amigos do Museu que era uma maneira de você fazer pressão política sobre o prefeito para que isso se tornasse recurso financeiro.

P – Por que, as verbas para o museu vinham só da prefeitura? (22:28)

R – Só da prefeitura, as verbas eram escassas, mínimas, mínimas…

P – Era através da Secretaria de Educação ou o Museu era autônomo?

R – Não. O museu na verdade é…, ele era ligado vamos dizer assim… Oficialmente ele era ligado a Secretaria de Educação mas politicamente éramos separados. Não havia interferência entre a educação e esse museu, porque a idéia era se criar uma fundação para se administrar o museu; então na verdade era um espaço meio solto dentro da administração que ninguém queria: “O prédio não cai porque eles ficam olhando lá”. Então a gente se tornou um pouco vigia daquele espaço já que não tinha recurso financeiro.(23:45) Tinha um projeto de restauração definido, muito bem definido, muito bem feito, muito bem elaborado,… mas não tinha recurso financeiro. Aí é uma fase terrível, muito angustiante também porque chovia, caiam paredes, não rinha recurso financeiro não é?… E isto não se transformou em política publica, até que mais ou menos no final do governo do Thelmo Almeida Cruz se cria uma Fundação Cultural, mas na verdade era uma fundação para administrar o Museu; não era uma fundação que fazia teatro e tinha outras atividades culturais. (24:21) Uma fundação para administrar o Museu que continuava não tendo recurso financeiro. Então este foi o grande problema, nunca se transformou numa política publica, nunca! Era um sonho que estava escrito no papel, mas quando você pega recurso financeiro era insuficiente para manutenção do próprio prédio quanto mais para o restauro.

P – Trabalhava ali na época, você e o historiador Sávio?

R – Não. Essa época não. Depois eu começo agregar algumas pessoas à esse projeto. Alguns historiadores; agente fazia contratações temporárias porque eles não queriam abrir o concurso publico, eles não queriam montar uma equipe técnica e aí eu achei interessante observar porque na verdade esse projeto era muito, tinha identificação de pessoas que pensavam muito diferente, isso estava muito evidente, né? Então não era muito interesse que se aplicasse recurso financeiro a esse trabalho aparecesse de alguma maneira, não havia, claramente não havia esse interesse, então o máximo que agente fazia era contratar historiadores, antropólogos, e nesse período curto que eles eram contratados eles produziam algumas pesquisas historiográficas, faziam um trabalho muito interessante, então era um trabalho de formiguinha, coletava aqui, coletava ali, coletava acolá, com pouco recurso; agente comprava acervo basicamente no começo, foi acervo de arte popular, agente chegou a fazer levantamento em toda região do Vale do Paraíba sobre… reunimos um acervo muito rico sobre arte popular é… eu acho que na época agente produziu um documentário muito interessante sobre os pintores populares os chamados pintores primitivos e isso saiu inclusive um livro em edição bilíngüe. (26:25) Não havia vídeo naquela época, então fizemos um áudio visual que inclusive ele foi selecionado na época lá na USP para representar o Brasil no Canadá, então quer dizer com toda as faltas de recursos agente conseguia produzir coisas dentro daquela linha de originalidade, burlar todas as dificuldades, todos os problemas, a gente conseguia ter um produto cultural; na bacia das almas! Esse trabalho tinha esse reconhecimento, e não tinha reconhecimento só da cidade, mas de todas as instituições culturais. Eu me lembro que a Folha de São Paulo fez um artigo muito interessante elogiando o trabalho que agente fazia aqui em Jacareí.

P – O encaminhamento desses projetos, eles passavam pelo crivo do administrador público, ou de algum assessor direto do prefeito?

R – Não passava. Eles não davam dinheiro e deixava agente ficar à vontade lá, então o que agente fazia, corria atrás de empresas, conseguia dinheiro e fazia livros de arte, conseguia dinheiro por fora, por doações agente conseguiu comprar o acervo de arte popular.

P – Era uma auto gestão praticamente do próprio museu sobreviver. Era uma auto gestão?

R – Exatamente, era uma auto gestão; a sociedade amigos do museu arrecadava um pouco de dinheiro, financiava às vezes viagens que agente tinha que fazer.(27:40) Financiava a confecção desses documentários que agente fazia sobre os artistas.  Então era uma coisa assim que, é: ”Deixa eles lá, deixa eles lá” E agente se virava na medida do possível.

P – E esse período é em torno da década de 80?

R – Acho que é final da década de 80. Não sou muito bom para data, mas acho que é final da década de 80, então criaram, oficializaram uma fundação; então havia uma instituição, a lei votada na Câmara. Fundação que administrava o Museu que tinha objetivos muito nobres tal e que se for você olhar não tinha funcionário, quer dizer tinha eu, né! Tinha eu e dois funcionários da limpeza. Quem mantinha aquilo tudo eram as pessoas que estavam fora da prefeitura.

P: E não existiam diálogos? Diálogos com administração ou com a assessoria. E o legislativo, como que se comportou até esse projeto, até esse período que você descreve. Qual foi a posicionamento do legislativo com relação a isso, com relação ao Museu; ou aos projetos que deveriam ser encaminhados pelo Museu?

R – Acho que eles viam com uma certa estranheza, quer dizer meio complicado falar de patrimônio cultural, falar de museologia, isso era conceito totalmente desconhecido desse povo, eles não davam muita importância para isso, eles achavam meio exótico um bando de estranhos. Eles não entendiam por quê o Museu não acabava nunca, um restauro que não… Não acabava porque não tinha recurso financeiro, mas também não acabava porque não tinha recursos financeiros; mas também, nunca ninguém chegou lá, falou: “Vamos votar, vamos aumentar essa verba”. Eles não sabiam o que é que agente fazia, eles não tinham noção disso, era uma coisa muito elementar, muito… quer dizer não mudou o perfil da Câmara né? (29:30) Não mudou nada; eles na maioria, um rol de sessões com gente ignorante, estúpida, que não sabia de nada e que não tinha muita importância; quer dizer aquilo não era uma área de interessante deles. Não tinha nenhum, quer dizer, como era o dialogo com a administração, com o prefeito Thelmo.  Não dava recursos financeiros; acho que  a resposta esta dada. Acho que a mulher dele é quem tinha um pouco mais de interesse, mas um pouco mais na frente ela vai se tornar inimiga número um desse projeto todo, né?

P – Em algum momento ela demonstrou um interesse?

R – Ela demonstrou interesse sim. Ela tinha uma sensibilidade maior para essa questão. Aparecia pouquinho de recurso financeiro que foi muito mais por iniciativa dela e não do prefeito.

P – Da Sonia Bonano?

R – Então se conseguiu fazer algumas coisas, trocar o telhado, fazer o piso, quer dizer algumas coisas foram feitas, mas por sensibilidade dela. Acho importante agente ter claro que não havia uma política publica. (30:52)

P – E ela estava na esfera administração do Museu ou não?

R – Não. De maneira nenhuma. Ela estava mais no Fundo Social de Solidariedade, era uma coisa que ela se identifica, às vezes ela exercia alguma influência no marido para que saísse algum recurso financeiro para a fundação, mas isso não é uma política pública, então quer dizer eu acho que é um aspecto interessante dessa história, você vive da gratidão do político: “Agora sim”, “Agora esquece”.

P – A possibilidade ou a sensibilidade de quem tem a influência junto ao político, de sensibilizar …

R – Exatamente. De alguma influência de alguém que se sensibilize em algum momento e diz: “Vai lá da um pouco de grama lá” e diz “ não deixa o prédio cair”. Então vivíamos dessas migalhas o tempo inteiro. (31:35)

P – Visto que o Legislativo também não tinha possibilidade de diálogo.

R – Não tinha, porque não tinha interesse, não reconheceu isso como uma coisa importante para cidade.

P – Nesse período já tinha se iniciado um movimento em termo de defesa de patrimônio?

R – Eu acho que ampliou mais acho que se ampliou um pouco mais esse grupo aumentou com a criação da Sociedade Amigos do Museu; eu acho que agente tinha um grupo de pressão política, mas o problema é que esse cada vez mais esse grupo se identificava mais com os grupos de esquerda, quanto mais ele se organizava fora, mais por dentro eles diziam não! Então ele crescia fora, quer dizer a pressão, carta para imprensa, denúncia na imprensa. “Esta chovendo ali dentro do Museu e ninguém faz nada. O museu está largado!” Não tem recurso financeiro. Havia essa pressão, ela foi aumentando, quer dizer aumentava a pressão cada vez mais quer dizer, a minha situação ali dentro ficou mais difícil, porque eles achavam que eu era porta voz desse grupo, então porque eles iriam colocar recurso financeiro, né? Se esse grupo era identificado com outras ideologias?

Essa era uma briga um pouco freada, quer dizer ninguém estuda isso de maneira clara, mas todo mundo sabia.

P – Você em algum momento se sentiu ameaçado com relação à sua função, ao seu emprego, trabalho?

R – O tempo inteirinho, o tempo inteirinho era andar em um fio da navalha o tempo inteiro havia pressão da câmara municipal para minha demissão, havia pressão muito grande porque eles diziam: “esse rapaz é de esquerda. Isso é um absurdo, aquilo é um antro de gente de esquerda. Eles ficam fazendo reunião até altas horas da madrugada”. Como se agente tivesse o grande poder de mudança. Então eles achavam que aquilo era um antro de esquerda eles falavam isso! Talvez esteja aí uma das explicações para não dar recurso financeiro “Vamos matá-las a mingua”.Mas acho interessante essa coisa bipolar, quer dizer você tem uma instituição oficial sem dinheiro, sem recurso nenhum, sem política pública definida e um grupo da sociedade exigindo que eles tomem providência, então eu no meio da história, tentando equilibrar; então algumas coisinhas foram feitas no governo do Thelmo, mais por iniciativa da mulher dele. Ela é uma pessoa mais sensível à área cultural. Bem, aí ele sai entra o outro governo do Oswaldo Arouca, aí a coisa toma um rumo meio diferente.

P – Mas toma um rumo diferente por quê?

R: Porque quem passa a presidir a Fundação Cultural é a Ada Arouca, aí você tem uma pessoa com uma formação intelectual muito f…, muito consistente. Uma boa formação filosófica. Aí você senta, deixa rolar. Aí você conversa, aí você tem uma dimensão; aquilo, quer dizer ela entendeu o quê agente queria ela se identificou com aquilo que agente queria.

P – É a professora Ada Cherubini.

R – É a Ada Cherubini Arouca, aí o que acontece, ela diz… não! Quantos anos vocês estão lutando para restaurar esse prédio, há quantos anos? Então nós vamos fazer isso!

Aí o que acontece, começa a aparecer recursos financeiros, aí começa à aparecer a questão do patrimônio; aparece como política pública. Não sei quantos milhões de reais que eram destinados por ano para desenvolver esses projetos, aí se transformam, pela primeira vez aí agente tem recursos financeiros para implementar essas políticas e aí a coisa toma dimensão extraordinária ela torna dimensão extraordinária. (35:20)

P – Mas era esse objetivo quando foi criada a Fundação, na administração anterior do Thelmo, foi criada a Fundação, era esse o objetivo?

R – Era esse o objetivo, porque essa fundação administra…

P – Mas a fundação, como aconteceu o processo da efetivação da fundação como ela foi efetivada, em que termos ela foi discutida, em que âmbito da esfera do poder ela foi discutida, foi discutida entre vocês e a Senhora Sonia Bonano que tinha sensibilidade para perceber que tinha necessidade de uma institucionalização para o museu? (36:05)

R -Não… Esse trabalho saiu desse grupo, o Osmar; Osmar foi uma pessoa que ajudou a desenhar esse estatuto. Eu, quer dizer… todo esse grupo quer extra oficial, agente compôs agente desenhou esse estatuto.

P – Da Fundação Cultural de Jacareí?

R – Não essa fundação que tem hoje. Da fundação que administrava o Museu. Nós fizemos o estatuto e a Câmara aprovou e ficou lá, não se cumpriu. Quanto a Ada Arouca entra,  ela diz, “Não vamos dar recurso financeiros, vamos transformar isso em Política Publica”. Aí começa a surgir o orçamento, né. Aí você contrata uma empresa, faz processo de contratação, uma empresa especializada. Executa todo o projeto de restauração e aí começa a surgir coisa um bem muito interessante. Quer dizer, talvez Cesira, uma das coisas mais importantes é que toda atividade que agente fazia era sempre uma possibilidade que agente tinha de ensinar as pessoas, de envolver as pessoas no projeto, é uma das condições que agente exigiu da empresa que fez o restauro é que boa parte dessas pessoas que fariam a restauração de pintura, as restaurações mais delicadas fossem contratados em Jacareí.

Então vinham os técnicos, mas boa parte com o pessoal era treinada aqui em Jacareí e uma dessas meninas a Maria Luiza Recco, que trabalhou no restauro dessas pinturas que tiravam doze, treze camadas de tinta até chegar na pintura original; essa menina hoje ela mora em Paris e ela trabalha com um dos maiores restauradores do mundo, eu não lembro o nome dele e eu sei que é grande especialista em restauração de arte Egípcia. Ele trabalha para o Museu Livre e a Maria Luiza trabalha com ele, ela é daqui de Jacareí.

P – Iniciou o trabalho aqui?

R – Iniciou aqui, a paixão dela começou aqui, aí surgiram uma serie de outros restauradores de cerâmica, que hoje estão na Espanha. Vários deles seguiram essa linha. Aí bom… tem recurso financeiro, tem dinheiro, foi feita toda a restauração do prédio, foi fantástico, foi muito bonito, toda a restauração. Se pensou em espaço de atividades lá dentro, se montou um auditório muito bonito, porque a idéia era que aquilo fosse um espaço de discussão de se pensar o Vale do Paraíba. A concepção: um museu que pensasse o Vale do Paraíba, a realidade do Vale do Paraíba; que discutisse o passado, mas que se discutisse a realidade também.

Era um grande fórum de debates para se pensar o Vale do Paraíba, então se montou o auditório.

P – Esses espaços criados ali dentro tiveram uma predominância do quê vocês imaginavam para o museu ou teve um projeto museológico distinto que especificou a criação daqueles espaços como o auditório, como a sala de aula que trazia as memórias do “Grupão”?

R – Não. Tudo foi pensado, e mais uma vez esse grupo, fora do poder público, ele estava separado do poder publico, eles estava separado do poder publico! Então era o que, que tipo de Museu nós vamos fazer? Essas idéias surgiram das pessoas, que uma das coisas que predominou, é que as pessoas opinavam.

P – Você conseguiria fazer agora uma viagem pela casa me descrevendo os cômodos; como vocês imaginaram de utilizá-los e a conotação que tiveram depois de prontos. Começando do lado direito, começando pela sala das memórias.

R – Bom, a primeira preocupação que agente tinha era na entrada da casa, era que tivesse, respeitasse toda a suntuosidade da casa, que a arquitetura falasse por si só, que agente não queria muita interferência, poluição visual. O que agente discutiu com a empresa de restauração é que no processo de restauro agente deixasse marcas de outras épocas. Isso ficou, isso foi uma coisa legal. Bom, do lado direito tinha, nós reconstituímos uma sala de aula de aula e esse foi um dos pontos talvez mais fortes do projeto do museu, porque o prédio Solar Gomes Leitão funcionou como escola, escola pública durante muito tempo, acho que desde o começo do século XX. Ele funcionou como escola, então a referencia que a cidade tem do prédio, não é a referencia neoclássica, essa é uma visão mais dos intelectuais, dos arquitetos. Para a cidade aquilo é uma memória afetiva: “É ali que eu estudei, é ali que eu comecei minha história de vida”.(41:2) E agente ouvia muito disso: “ah eu lembro disso, eu lembro daquilo”, aí o que agente percebeu; em uma das reuniões com várias pessoas, até que uma pessoa disse: “Ah, o que vamos colocar? É só ouvir o quê às pessoas estão dizendo para agente”. Quando as pessoas chegam aqui o que é que elas falam? Quando elas entram no prédio o primeiro lugar que elas querem descobrir é o lugar que elas estudaram, então isso é uma memória afetiva. Então falamos, então é isso. Então quer dizer as próprias pessoas que freqüentavam a casa já deram uma pista para agente. Então fomos atrás de todos os materiais, as cartilhas da época, aí agente colocou cartilhas de períodos diferentes, porque o público era imenso, quer dizer desde o começo do século XX, então foram varias gerações que passaram por ali e então agente reconstituiu uma sala de aula, com livros de épocas diferentes porque em algum momento você ia se identificar com sua época, às carteiras reconstituímos os sons das salas de aula, foi uma coisa que fez um sucesso muito grande; o som de crianças subindo escada, que eles se referiam muito, aí o que, que nós fizemos; nós começamos a ouvir melhor o quê que as pessoas… “O que é que te lembra essa escola? Ah! eu  lembro do som da escada, eu lembro da hora do recreio, eu lembro do barulho do sinal, sai na hora do recreio”. E agente reconstituiu tudo isso, tudo, tudo, tudo. (42:50) Então as pessoas sentavam tinha uma iluminação muito interessante bem adequada, tinha um sistema de som todo muito bem projetado. Então as pessoas sentavam na carteira e ficavam ouvindo esse som. Então aquilo causou uma verdadeira comoção. Então você veja, um projeto de extrema simplicidade as pessoas que sentavam ali e a idéia era preservar a memória afetiva das pessoas, a história de cada um, então essa a primeira coisa. (43:20)

P – Criando um elo de ligação com aquele prédio que inicialmente era do Coronel João da Costa Gomes Leitão.

R – Justamente era de um coronel. Não era reconstituir a casa do coronel, mas era, mas era um pouco da história da casa, história dos comuns né? De todo mundo que passou por ali. Então foi reconstituída essa sala de aula, isso mereceu muita matéria em jornais, no Estado de São Paulo, a Folha de São Paulo. Isso circulou muito no Brasil inteiro. Foi um projeto muito copiado também. Muita gente procurou agente para saber como agente tinha pensado aquilo. E um projeto de extrema simplicidade.

P – Ele surge em Jacareí como uma inovação e ele se expande, a idéia desse Museu não fica em torno desse grupo de pessoas que pensavam ao museu, nem  em torno do prédio e nem em torno de uma administração que não sabia bem o que fazer com esse patrimônio, e essa idéia teve autonomia; ele cresceu.

R – Ela cresceu. Ela cresceu, ela cresceu, de repente cresceu é… Eu me lembro, me lembro de um artigo uma vez que saiu, acho que saiu no jornal, acho que foi na Folha de São Paulo não sei se ainda se acha essa matéria, se chamava Primitivos e Valentes em Jacareí. Primitivos porque era uma exposição que agente tinha de pintores primitivos e ela falava, a Haddad Abraão que era uma critica de arte, sobre a valentia de pessoas que trabalhavam sem (44:24) recursos financeiros; que ela não conseguia entender como produzia tantas coisas interessantes e rompendo coisas que ninguém via, ninguém tinha visto um museu daquela maneira. Bom,… ai voltando, reconstituição dessa sala que foi uma das melhores coisas que foi feita, depois do lado esquerdo ali foram feitas muitas coisas ali, foi arqueológico ali, (45:31) tinha uma sala de materiais de arqueologia, aliás, o capítulo de Arqueologia é uma (45:36) história a parte; com arqueologia depois você encontrava ali um corredor embaixo, onde nos transformamos em um bar, era uma idéia muito interessante que o museu fosse um ponto, continuasse a ser um ponto… Ele já era um ponto de encontro, o que agente queria (45:55) fazer com aquilo na verdade era dar uma situação mais agradável, um café, ou fazer um bar, fazer com que aquilo se tornasse um ponto de encontro que circulasse idéias ali, e foi (46:08) uma coisa muito interessante, uma coisa muito legal que deu um resultado extraordinário. Tinha espetáculos de Jazz, de Bossa Nova de instrumentistas, pessoas maravilhosas, de muitos pianistas jovens do Vale do Paraíba se apresentaram ali. Era uma (46:30) loucura, quer dizer, era uma loucura, estava se transformando em um negócio… E… Cresceu tanto que eu acho que agente não tinha muita dimensão de onde é que ia parar tudo isso. Depois, no fundo tinha a parte de… Tinha uma parte onde agente mostrava a taipa, (46:48) como é que foram as técnicas de intervenção no prédio que era uma parte maior, tinha a parte administrativa, como não tinha muita parte técnica, quer dizer eram poucas né? Depois agente subindo, tinha o Auditório um grande auditório muito bem montado, agente teve a preocupação de montar este auditório sem ferir o madeiramento, depois eles, depois eles desmontam esse auditório e montam em outro lugar e dizem que criaram um teatro em Jacareí. (47:14) Depois tinha nas outras salas tinha uma grande exposição, uma imensa exposição sobre arquitetura. História da arquitetura do Vale do Paraíba e acho que essa exposição foi uma das mais importante que agente fez; ela teve a curadoria do Dr. Antonio Luiz Dias de Andrade era do IPHAN – Instituto Patrimônio Histórico Artístico Nacional. Era, era a única pessoa que tinha um levantamento de todas técnicas construtivas no Vale do Paraíba. Ele levou muito tempo, acho que levou mais, quase dois anos para montar essa exposição.

P – Com o material dele? (48:00)

R – Com todo material, o que faltava ele montou uma equipe com estudantes novamente o gancho: “nós queremos que você pegue estudantes de arquitetura do Vale do Paraíba para ajudar a montar essa exposição, a pesquisa e tal. Então se formavam grupos extraordinários de estudantes. Era uma algazarra, aquele povo. Era muito interessante.

E aí eles foram pesquisar fazer todos levantamentos das fazendas de café, outras técnicas construtivas mais rudimentares, das igrejas; então nós montamos uma enorme exposição, uma exposição muito bonita foi feita inclusive um documentário também. Eu acho que basicamente é isso; quer dizer, tinha outra sala que nós usamos do acervo de arte popular. Que nós levamos mais de três anos coletando a produção de arte popular em toda a (49:02) região do Vale do Paraíba. A idéia é que agente, é que as pessoas ao entrar naquele prédio tivessem uma noção clara do que se produz em termos de arte popular da arte figurativa e de arte popular de artesanato, de bom artesanato, artesanato que tenha habilidade manual. Então acho que foi uma coisa muito rica, muito interessante. (49:15)

P – E esses materiais utilizados para vocês conservavam ou era sempre devolvido para quem fornecia?

R – Não esses aí eram acervos. Tinham as alcovas também, que agente transformou em reserva técnica. Não era o espaço adequado porque a idéia como tinha crescido muito o projeto do museu, a idéia era que fosse desapropriada a área em volta, que se fizesse jardins em volta, aí agente já estava unindo um outro conceito. Que era questão da cultura e lazer.

Agente acha que essas coisas poderiam conviver juntas, né? Era fazer grandes jardins em volta do museu, espaço de lazer, feira de flores no final de semana, e ser um ponto de encontro também. E aí você faria uma reserva técnica à parte. Porque o prédio não tem muitas condições técnicas para abrigar acervo. É uma condição complicada. Tem um trânsito muito complicado na frente do prédio. (50:16)

Mas para isso foi feito um estudo muito interessante, do impacto que causaria o trânsito; olha naquela época há quantos anos, há mais de 20 anos atrás e aí entrou  o Ricardo Ferraz com todo o conhecimento dele, ambiental. Ele fez uma pesquisa, por exemplo, sobre quantos automóveis passavam, qual impacto que causa, por exemplo, da fuligem, nas pinturas do prédio, e ele se utilizou conhecimento de grandes especialistas do Brasil na época; se produziu uma serie de relatórios, esses relatórios novamente eram manchetes no Brasil inteiro. (50:41)

“Jacareí apresenta estudo inédito de impacto da poluição sobre o acervo do museu e sobre o próprio prédio do século XIX”; pessoas ficaram encantadas e a partir disso muitos museus passaram a fazer esses estudos de impacto. Havia proposta de se pensar o anel viário respeitando o patrimônio desse prédio e daquela mancha urbana que tinha no centro da cidade. (51:20) A coisa ia sempre tomando uma dimensão maior.

P – Com relação às alcovas, você se lembra qual era a utilização delas antes; quando era ainda escola, quando vocês entraram no museu que ainda não tinha sido restaurado, aquele espaço das alcovas, você lembra o que era ali?

R – O quê era antes da gente…?

P – Antes do restauro do prédio.  É… Naquele espaço, você lembra de alguma coisa ali… Existia? Ou tinham tirado as paredes e feito um corredor. O que eram as alcovas na configuração anterior?

R – O que eu sei é que no projeto, o quê estou lembrando agora é que no projeto de restauração se descobriu que houve uma alteração, que eles derrubaram algumas paredes e tal, não se sabia precisar exatamente o que era. E que depois eles recolocaram as paredes no (52:20) devido lugar. Isso eu lembro que eles fizeram, e foi uma coisa muito complicada porque tinha que mexer em algumas paredes que tinham pinturas então não podia ferir as pinturas então foi um processo bem complicado.

P – Mas era clara a existência daquelas alcovas ali, no período em que a casa era utilizada com residência?

R – Ah sim, através de introspecção na parede eles descobriram tudo isso. Tudo isso estava no projeto. Quer dizer essa utilização da casa, que eu lembro aqui, foi quando nós deixamos o museu. E que a idéia que tinha é isso, mas o projeto era… Mas a (53:06) idéia era, vamos continuar constituindo esse acervo. E que acervo é esse. Que acervo é importante?  Essa era uma discussão permanente, permanente, permanente. Enquanto isso acho que se desenvolveu paralelamente e é importante deixar muito claro, que agente tinha (53:19) uma preocupação, muito grande com a documentação histórica. Aí agente já estava extrapolando, já não era só uma questão do museu. Ah, mas você pode perguntar, mas você poderia fazer um inventário. Essa história do inventário do patrimônio, ela vem surgir depois. Não havia isso, não havia essa concepção nem em Jacareí, nem em outra cidade. Hoje você vai desenvolver um projeto cultural um projeto de preservação numa cidade faz um inventário; você levanta tudo que tem, registra em que condições esta e aí você tem aquele documento mostrando um retrato. (53:40)

Observou-se que desde o início mesmo na fase de restauro o museu promovia atividades freqüentes ligadas ao seu projeto inicial.

Desde sua origem Osmar de Almeida, encaminhou o projeto com fundamentos técnicos especializados. Por orientação de Stanislau da Silva Sales, entrou em contato com a professora Waldisa Russio Camargo Guarnieri, autoridade máxima na época em museologia, que teve papel importante na criação da discussão museológica brasileira.  A museóloga Waldisa foi itinerante na implantação de uma política cultural avançada e autônoma adequada à nova concepção de museu que visava dar vida livre aos museus e suas realizações. Visava modificar o quadro de relações da política de museus atrelada ao poder político partidarista e seus vícios de utilização de bens culturais públicos para as próprias realizações e perpetuações.

Para esse grupo idealizador do museu não pairava a dúvida de que esse museu seria autônomo e livre em suas atividades. Todo o empenho do grupo foi respaldado pelo então prefeito professor Benedito Sérgio Lencioni, em apoiar a ação política cultural advinda do grupo de Osmar de Almeida.

Do grupo criador do museu era permeável a iniciativa em querer rever a lógica de conduta imperante ao cidadão. Mas como entender o apoio do Professor Lencioni, que pertencia às forças ideológicas opostas, a esse grupo de jovens idealizadores culturalmente revolucionários daquela época?  Fomos buscar na sua ligação com a História a possível abertura e desenvoltura filosófica do professor Lencioni, que o levou a referenciar naquele momento a política cultural voltada para preservação do Patrimônio Cultural.

São várias as realizações desse Professor que pontuou sua importância na política cultural de criação de instrumentos legais e dinamizadores incentivando o desenvolvimento de mentalidade voltada à cientificidade e elaboração historiográfica capaz de instigar e imprimir uma identidade à sua própria e próximas gerações; numa demonstração de cidadania superlativa em prol do bem comum; como se entende falar, de pessoas da esfera institucional partidária “Homem de Política”. “Homem de História”, na verdade! Porque só com o referencial da ciência histórica pôde romper com os dogmas do seu tempo, do período ditatorial ao qual pertenceu e se aliar às forças então ditas de “esquerda” e cristalizar a criação do Museu de Antropologia do Vale do Paraíba.

A inauguração oficial do museu restaurado e pronto para receber o público se deu em 22/09/1992 e nessa determinação política de empreender esforços para finalmente depois de onze anos inaugurar o MAV, colaborou o Prefeito Osvaldo Arouca, assessorado pela professora Maria Ada Cherubini, na presidência da Fundação Cultural de Jacareí, com o museu sob a direção de Adelmir Morato de Lima.

A temporada de política cultural voltada à preservação do Patrimônio Cultural, adotada pelo Professor Lencioni, não se difundiu em algumas outras administrações e, portanto, o ideal do Museu livre das amarras políticas partidárias e tradições oligárquicas não se concretizou.

A fundação não foi capaz de assegurar vida livre ao museu e, segundo seus idealizadores, ele não pode cumprir o projeto para o qual havia sido criado.

O museu se tornou vítima da historicidade do próprio edifício em que foi instalado, que se originou das relações antropológicas pertinentes às condições sócio econômicas que permearam a exploração humana na produção cafeeira, o tráfico de escravos para manutenção da oligarquia regional, comandada pelo Coronel João da Costa Gomes Leitão, construtor do edifício em 1857 e com a determinante ação do capital inglês. Essa existência e supremacia calcada nas relações ilícitas se refletiram na evidente fragilidade do Museu gerado por legítimos anseios libertários, mas gerido circunstancialmente por quem interessar ao poder constituído.

O Museu de Antropologia do Vale do Paraíba foi criado a partir da Fundação Cultural de Jacareí, atualmente Fundação Cultural de Jacarehy – José Maria de Abreu. Ele foi o motivo de origem da criação da primeira Fundação Cultural em 1981; mas não foi constituído juridicamente. Ele existiu a partir da existência dessa fundação. Por este motivo nunca chegou a ter os direitos e deveres preservados, pertinentes a todo museu que faz parte do Sistema Brasileiro de Museus. No estatuto da Fundação Cultural de Jacarehy – José Maria de Abreu, Capitulo V – Da Estrutura Administrativa Artigo 6º, item 3: Diretoria de Preservação de Memória Municipal; o Museu de Antropologia do Vale do Paraíba aparece inserido como: número 2 – Equipe de  Museu.  Ele é submetido às ações de dirigentes e presidentes da Fundação Cultural que, porventura não apresentem especialização técnica na área museológica, pois não existem no Museu o cargo de museólogo, um plano museológico, uma curadoria, uma reserva técnica para o seu gerenciamento; como relata a museóloga Waldisa Russio de Camargo Guarnieri

“…os museus são, assim, pequenos feudos onde as relações são pessoais e não em função de cargos com atribuições formalmente definidas… Esta prevalência de um “status” que não encontra raízes na profissionalização e na especialização …coloca os          museus, assim dirigidos, em antagonismo flagrante com a dinâmica das demais organizações que se estruturam estrategicamente, objetivando seus fins, com a própria sociedade que se moderniza.” (GUARNIERI, 1977)

“A situação dos museus sem regularidade jurídica se faz presente no Projeto Lei 7568 Estatuto dos Museus, ainda em tramitação no Legislativo Federal haverá regras detalhadas a serem seguidas pelos responsáveis, para a manutenção dos museus brasileiros”.(BLOISE, 2008).

E então, incorporou-se ao Museu o modo mais amador de conduzir um projeto e o corpo técnico composto deveria se adequar aos “novos patrões”. O conjunto de profissionais responsáveis pelas atividades direcionadas à ação museológica científica foi gradualmente desarticulado e começou a dissolução das forças que deram origem à criação do museu.

Os relatos enunciados pelo sujeitos inseridos na historicidade do Museu de Antropologia do Vale do Paraíba aprofundaram as informações relacionadas à Política Cultural voltada a preservação do Patrimônio Cultural, naquele período e enunciaram um processo de opressão relativa aos sujeitos históricos pertinentes à origem do museu; portanto observou-se que esse grupo sofreu o impacto inicial do processo de desmilitarização do Estado Brasileiro que através de seus aparelhos ideológicos não deixaram de coexistir imediatamente. Então, aos sujeitos envolvidos com a legitimidade dos objetivos do MAVP, coube também receber as reações da classe dominante que não poderia abdicar de seus poderes, privilégios e autarquias; neutralizando os avanços no âmbito de direitos e pleno exercício de cidadania almejados. O poder constituído, para se legitimar destituiu as competências com especialidades, representadas pelo Diretor do Museu Adelmir Morato de Lima equipe técnica e Sociedade Amigos do Museu, fundada em 1984 com a intenção de um gerenciamento autônomo que buscasse o consenso a favor de uma política cultural prioritária que favorecesse a realização do projeto museológico.

Não foi possível garantir uma dinâmica museológica e criou-se uma relação de forças entre grupos de posicionamentos políticos diferentes inseridos na dinâmica da superestrutura da Administração Pública. A permanência de representantes do grupo originário do museu fortaleceria a política cultural, que possuía mecanismos técnicos especialistas para manter, através da linguagem museológica a participação ativa da sociedade e cientificidade nas abordagens sócio-culturais. A competência técnica e profissional gradual no avanço da construção do sistema autônomo do museu não passou pelo crivo das autoridades e o único e último representante dessa política cultural, Adelmir Morato de Lima, que por sua condição trabalhista legal não podia ser excluído do quadro de funcionários da Prefeitura Municipal de Jacareí, logo recebeu as penas e punições. No contexto sócio-político cultural jacareiense cabe bem a teoria do pensador francês Michel Foucault que em suas lições de genealogia e poder explica como o poder é essencialmente repressivo:

“… o poder é o que reprime a natureza, os indivíduos, os instintos, uma classe. Quando o discurso contemporâneo define repetidamente o poder como sendo repressivo, não é novidade. Hegel foi o primeiro a dizê-lo; depois Freud e Reich também o disseram… não será então que a análise do poder deveria ser essencialmente uma análise dos mecanismos da repressão?… o poder é guerra, guerra prolongada por outros meios.”(FOUCAULT, 1986).

Mais uma vez, Foucault exprime, através de sua literatura, as ocorrências derivadas das relações do poder. Em sua obra Vigiar e Punir Foucault denuncia uma tecnologia política do corpo, ou seja, a utilização de punições e penas infringidas pelo mecanismo do poder para dominar almas e tornar os “corpos dóceis”.(FOUCAULT, 1982, p. 121).

“Em 1757, o esquartejamento era a prática punitiva, em meados do século XIX a pena passa a ser um procedimento burocrático, e coercitivo. Não se pune mais o corpo latente, mas sim, se aprisionam as almas vertentes. Ao poder interessa apossar-se do tempo do indivíduo para controlar suas ações, transformando-o através da disciplina em corpo dócil”. (FOUCAULT, 1982).

Fig. 39 Tiradentes Esquartejado. Obra de Pedro Américo (1893)

 

Fonte: Imagem Wikipédia Brasil.

“Os museus não valem como depósitos de cultura ou experiência acumuladas, mas como instrumentos geradores de novas experiências e renovação de cultura.”

Carlos Drummond de Andrade.

“Os museus não valem como depósitos de cultura ou experiência acumuladas, mas como instrumentos geradores de novas experiências e renovação de cultura.”

Carlos Drummond de Andrade.

“Muito mais que existirem para os objetos, os museus existem para as pessoas.”

Hugues de Varine-Bohan

Citações relembradas por Waldisa Russio de Camargo Guarnieri em seus trabalhos:

“MUSEU, um aspecto das organizações culturais num país em desenvolvimento”. São Paulo/1977

“Um museu de indústria em São Paulo” São Paulo/1980. museu de indústria em São Paulo” São Paulo/1980.                                      

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